sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Programas sociais contribuem para a ressocialização de menores em conflito com a lei

Em Porto Velho, mais de 600 adolescentes cometeram atos infracionais e alguns já cumprem medidas socioeducativas


Seiscentos e quarenta. Essa é a média do número de adolescentes que estão em conflito com a lei, em Porto Velho. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que do ato infracional à medida socioeducativa, o adolescente deve passar por alguns estágios. Após o ato cometido, o menor é encaminhado à delegacia especializada em infância ou juventude para ser ouvido pelo delegado; o caso será analisado pela promotoria que irá decidir se abrirá ou não processo; se for constatada a culpa, o menor de idade é encaminhado para a medida socioeducativa que pode ser oferecida pelo estado ou por organização não governamental.

Foi por esse processo que passou Bruno*. Ele cometeu um ato infracional, foi pego em flagrante e, após a responsabilização de seu ato, foi encaminhado para o cumprimento de medidas no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). Lá, ele tem a oportunidade de se reunir com outros adolescentes que passam pela mesma situação. Durante a reunião do grupo, várias dinâmicas são executadas para que haja a integração entre eles. Além disso, por meio da parceria do Creas com empresas, os adolescentes vão fazer curso profissionalizante; alguns já foram contratados para trabalhar como menores aprendizes. A coordenadora Kellen Renata da Silva afirma que essa é uma forma de reorganizar a vida do menor e o reinserir na sociedade.

Bruno está contente pela oportunidade. Ele conta que se arrepende de ter cometido o ato e que, por meio dessa parceria, pretende se desenvolver. Ele e os demais adolescentes que estão no cumprimento de medidas em meio aberto tiveram a oportunidade de participar de um concurso de fotografia promovido no II Congresso Estadual Judiciário, em Porto Velho. Os três primeiros colocados foram premiados com câmeras digitais, curso de fotografia, certificado e brindes personalizados com as fotos. É em oportunidades como essa que os jovens podem exercitar suas habilidades e expor talentos, até então escondidos. 

Foto ganhadora do 2º lugar do concurso de fotografia. O pôr do sol no Rio Madeira foi capturado por um     adolescente de 14 anos (Reprodução)


Órgão de Defesa 
O Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Maria dos Anjos (CDCA) é uma organização da sociedade civil e sem fins lucrativos, com sede em Porto Velho. O objetivo do CDCA é garantir a proteção integral à criança e ao adolescente com seus direitos violados. O Centro executa, atualmente, quatro projetos em prol de adolescentes em conflito com a lei.

O Projeto Presente e o Projeto Curumim são feitos com recursos do fundo municipal. Já o Projeto Escola Amiga é uma parceria com a Secretaria Municipal da Educação e é permanente, pois é uma forma de respaldo do CDCA perante a Secretaria. E o Projeto Fazendo a Diferença que tem parceria com o Fundo Nacional de Desenvolvimento. 

O Projeto Curumim (duração de 10 meses) trabalha na prevenção e no combate ao abuso e a violência sexual de crianças e adolescentes, nos distritos de Jacy-Paraná, Nova Mutum e Abunã. Por conta da construção das usinas de Santo Antônio e Jirau, o número de gravidez na adolescência, doenças sexualmente transmissíveis e prostituição aumentou consideravelmente. A assistente social Daiane Junqueira afirma que isso se deu devido à migração de homens para trabalhar nas obras, falta de perspectiva de vida, pelos menores e, às vezes, a própria família retira a criança da escola para que ela possa se prostituir e contribuir com a renda familiar. “Infelizmente as obras das usinas foram muito impactantes nesses distritos, por isso o projeto está sendo desenvolvido lá”, afirma Daiane.

O Projeto Presente é feito em parceria com o Creas que deve encaminhar adolescentes que estão cumprindo medidas socioeducativas e que se encontram com algum direito violado, por exemplo, a negação de vaga na escola para aquele que cometeu ato infracional. A garantia dos direitos desses adolescentes é feita por meio de proteção jurídico-social, em que um advogado e a assistente social verificam quais procedimentos devem ser tomados para essa defesa.


    Reunião com o grupo de adolescentes participantes do Projeto Presente. (Foto:Assessoria/CDCA)


Unidades de Internação
O CDCA, por meio de suas assistentes sociais, visita as unidades de internação para fazer o acompanhamento dos menores. A assistente Daiane conta que as condições das unidades de internação estão totalmente precárias e insalubres. Atualmente, três unidades funcionam em Porto Velho. 

A Unidade Provisória e Sentenciada, localizada na Avenida Rio de Janeiro, foi interditada por não reunir mais condições de atender aos adolescentes. Tanto a falta de estrutura física, quanto a falta de recursos e profissionais foram fatores que contribuíram para o seu fechamento. A Unidade feminina, na Avenida Jorge Teixeira, também foi interditada. Por conta disso, as adolescentes que deveriam ser internadas na capital, são encaminhadas para unidades do interior, o que acaba desrespeitando o que está previsto no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), cumprir as medidas, porém, manter o vínculo com a família. Daiane afirma que as unidades do interior não possuem local adequado e que em algumas delas, meninos e meninas ficam juntos, ou na mesma unidade, separados apenas por alas diferentes.

Cumprimento de medidas
As medidas socioeducativas variam conforme o ato infracional cometido. Elas são dividas de acordo com a responsabilidade estadual e municipal. De acordo com o Sinase, a semiliberdade e internação em estabelecimento socioeducativo são de responsabilidade do governo estadual. Já a advertência, obrigação de reparo ao dano causado, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida são medidas aplicadas em meio aberto e devem ser mantidas pelo governo municipal. Em Porto Velho, o órgão coordenador das medidas socioeducativas é a Secretaria de Assistência Social. 

No Creas, os jovens cumprem medidas para a consequente ressocialização. De acordo com a coordenadora do Centro, Kellen Renata, durante o cumprimento das medidas em meio aberto, eles devem estudar e fazer cursos, para serem reinseridos na sociedade. Os adolescentes podem prestar serviços em instituições de forma gratuita ou serem acompanhados por meio da liberdade assistida, em que eles têm a obrigação de estudar, trabalhar, fazer curso profissionalizante, obedecer aos pais, não andar em más companhias, entre outros. O objetivo é fazer com que o adolescente não cometa mais ato infracional e que ele não se envolva em outras situações que possam levá-lo à vulnerabilidade social. 

Acompanhamento
Uma das formas pela qual os adolescentes podem ser orientados é através do orientador social voluntário. Atualmente, existem poucos orientadores, menos de 60. O preconceito e a disponibilidade são fatores que contribuem para essa defasagem. O período em que o adolescente deve ser acompanhado é de, no mínimo, seis meses, sendo que a cada dois meses, o orientador produz um relatório, que é encaminhado ao Juizado, avaliando o avanço do menor. Ao final dos seis meses, se for constatada que a situação do menor está “tranquila”, o desligamento do programa pode ser solicitado.


Unidade de Internação Masculina está interditada
 (Foto: Lílian Oliveira/Focas do Madeira)
Mortes nas unidades
De acordo com dados recebidos do 1º e 2º Juizado da Infância e da Juventude, de 2002 a 2014, 21 jovens foram assassinados dentro de unidades de internação, em Porto Velho. O caso mais recente foi em outubro deste ano, em que um adolescente de 16 anos enforcou outro, da mesma idade, com um lençol. Conforme laudos psiquiátricos, o adolescente deveria ser mantido isolado, pois já havia apresentado quadro de problemas psicológicos. O fato aconteceu na Unidade de Internação Sentenciados Masculinos II, a Casa de Detenção do Menor, na Avenida Amazonas. 

Para a assistente social Daiane, o motivo para tantas mortes pode ser ocasionado pela inflação do sistema e falta de adaptação do mesmo. Ela afirma que ao visitar as unidades, ficou muito triste ao perceber que da forma como está, o adolescente sairá do sistema pior do que entrou. 

Os adolescentes que cumprem medidas de internação encontram-se em situação de encarceramento. Lá não são desenvolvidas atividades que busquem sua reinserção na sociedade. Ao ser questionada sobre a semelhança das unidades com presídios, Daiane disse que “normalmente nos presídios, os presos ainda têm mais direitos garantidos do que os adolescentes”.

*Bruno é nome fictício.

Pauta e texto: Lílian Oliveira (6º período)
Edição: Marcela Ximenes

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